segunda-feira, 16 de maio de 2016

papagaio não é besta

No que você está pensando?


É a pergunta insipida do face. Como se todo mundo não tivesse mais preocupações além de ter perdido de vista o papagaio da Globo, esse de plástico parecido à velhinha com quem ele conversa.
Tudo bem. Isso faz parte do jogo.
Mas, acredito que deve ter pessoas com outras cabeça, estou falando daqueles que não param de pensar no dia próximo onde ninguém poderá mais impedir a cada ser humano de tomar consciência para gritar que ha chegado enfim a hora de dizer BASTA:
 "NÓS, NADA MAIS QUE NÓS TEMOS A PALAVRA FINAL SOBRE O QUE O ṔOVO PRECISA PARA VIVER.NAO VEGETAR NO CONSUMISMO. 
E os papagaios deveriam ficar no mato onde se criaram em vez de dizer besteira na televisão.

Andar pelo além.


Andar é
contra o soprar do vento
passos seguros, ideias curvas
receptivas.
Afastando nuvens
abrindo, céus.
Caminhos claros
assoleados
frente à vida.
Atrás pontes
queimadas.
Andar oblíquo,
Transversalidade
eterno retorno.
Mesmos caminhos?
murmuram todos eles sem parar, mas
Escuta esse,
não está falando algo diferente?

(anonimo conhecido)

"Brasilhoje". Visto por um poeta do centro cultural Garrincha


DE CANJICAS A COXINHAS
Em O Alienista, além dos limites entre razão e loucura, Machado de Assis ironiza a política na sociedade de seu tempo como simples soma de interesses dos particulares. Por isso, quando surge o menor dos embates seus partícipes preferem a resignação, como fez o líder barbeiro ao sair da cena pública e deixar o movimento das Canjicas sem a sua cabeça.
Uma obra tem valor universal ao atravessar as eras e dialogar com as gerações futuras. Mas, para recordar a indagação do crítico Antônio Cândido, o que O Alienista de Machado teria para nos dizer nos dias de hoje? Quem são as Canjicas de nosso tempo?
UMA COXINHA EM DOIS ATOS
Ato I– comédia de como as coxinhas foram às ruas
Garota, eu vou pra Califórnia...”, cantarolava ao sair do banheiro.
Tomou um café reforçado e lá se foi, todo brasuca da silva. Da silva não porque era Smith desde pequenino.
... o meu destino é ser star”, cantarolou uma vez mais pouco antes de se juntar a multidão. Ele tava que tava:
Bumbum redondinho como a base de uma coxinha. Vuvuzela amarela na mão esquerda, vez ou outra assoprada em saudação àquela gente bonita. Bandeira da pátria amarrada ao pescoço e caída sobre as costas – um Clark Kent dos trópicos. E nem mesmo esqueceu-se da cartola: uma réplica da do Tio Sam com gomos intercalados em verde e amarelo. Porém, agora a canção já era outra:
Sou brasileiro, com muito orgulho...”, engrossou o coro, todo senhor de si.
Dessa vez jornalistinha algum iria pegá-lo desprevenido, dizia com seus botões: o lábaro, a flâmula e o impávido estavam na ponta da língua. Um papelzinho no bolso era sua retaguarda. Brasileiro por tinta e papel.
Não era de confusão. Nem de se meter em política. Na verdade, detestava política. Porém, a coisa agora era diferente. Via que não estava só. Que havia muitos iguais a ele, ainda que não entendesse que no mesmo ato uns gritassem contra o Estado e outros clamassem por um Estado forte. O importante é que ali eram todos iguais: uma gente feita de carne, osso e botox. Gente pacata, ordeira e com impostos em dia. Gente que não levava desaforo nem DVD pirata para casa. Gente que se rebelaria um dia. E esse dia havia chegado. Saga registrada para ser contada às futuras gerações:
- um dia seu pai foi um rebelde, meu filho! – devaneou por segundos com filho imaginário ao colo e sorriso congelado por mais uma selfie.

Ato II - tragédia – do conflito entre coxinhas
Hoje o dia prometia. Momento de resistência. Não teve dúvida. Os anos de escritório davam-lhe garantia. Estufou o peito, dirigiu-se ao patrão e pediu uns dias das férias vencidas. Queria se somar aos revoltosos que bloqueavam a Avenida Paulista, justificou. Pedido aceito.
Rumo à Paulista lembrou-se das gafes na última manifestação. Gafes que não poderia mais cometer. Mas como ia saber? No movimento as coisas são dinâmicas. Tudo pode mudar a qualquer momento. Senão, vejamos.
Numa manifestação o grito era: Somos milhões de cunhas! Na outra, feriado prolongado, viajou e perdeu o protesto. Na terceira, tentou puxar o coro do somos todos cunhas e quase foi linchado. Depois descobriu que o nobre deputado já não era tão nobre assim. Coisas da política.
Agora, ali, junto aos seus, o clima estava tenso. Havia ordens para retirá-los.
- Resistir! Resistir! Bradava os mais eufóricos. Gritos que logo se tornariam seus.
Não acreditava que seu governador desse ordens contra quem enfrentava o governo federal nas ruas. Eles, os verdadeiros paulistas. Eles, os não vagabundos.
- E a polícia? Indagava a si mesmo.
-“Policial é meu amigo. Mexeu com ele, mexeu comigo”. Ainda retinha fresco na memória o grito de guerra e as selfies tiradas junto a policiais nas manifestações anteriores. Será que eles teriam coragem? Não. Eles são do bem, concluía em pensamento. E pensava outras coisas mais: de como entrou no movimento. De como teve que jogar fora as camisas (e mesmo sua cueca preferida) apenas por serem vermelhas. Minha bandeira nunca será vermelha! Passaria a reproduzir o brado em pouco tempo.
Por vezes sentia saudades do passado. Coisa estranha. Ainda que fosse um passado recente, intuía que não haveria volta no tempo. Tempo em que viajava aos States. Ah, Estados Unidos da América – balbuciava num sonho acordado.
Terra da liberdade. Terra da Disney. Terra de verdadeiros shoppings e varejo de coisas boas a encher sacolas para depois esvaziá-las no retorno à pátria. Incremento financeiro reduzido a nada com o incentivo ao crédito e surgimento da tal emergente classe C. Ela evaporou-se, é verdade, mas não sem antes abarrotar os aeroportos do país para ir inflar os produtos americanos. Gente demais. Produtos de menos. Preços lá em cima.
Maldito sapo barbudo! Eis o seu ódio. Ódio que pulou da divagação para a realidade, tornando tragicômico o desfecho do ato.
O susto foi grande e o devaneio interrompido. Tempo não houve para muita coisa.
- Que absurdo! Onde estaria o respeito, o patriotismo? Berrou em direção aos policiais. Logo ele que protestava contra os corruptos da Lava jato receber um jato d’água no ouvido! Isso não ficaria assim! E passou a gritar: Fora petistas! Fora petistas! Fora petistas!
E numa outra versão: Petistas de fardas! Petistas de fardas! Petistas de fardas!
Nada adiantou. Novamente foi encharcado. Apavorado, ainda pediu ajuda: Socorro, FIESP! FIESP, socorro! FIESP socorro! Socorro FIES...
Não houve socorro. Sequer um pato respondeu quenquém. Houve, sim, mais um jato d’água, forte e concentrado que o pegaria em cheio. Cheia estava sua cabeça enquanto ele rolava pelo chão. Nela tudo ia se misturando: situação e oposição; lava jato e jato d’água; sim e não; impeachment e minha família; super herói da justiça e super herói dos quadrinhos, STF e FDP; japonês da federal e japonês virtual. Tudo, tudo conformando uma só pasta que ele já não sabia distinguir muito bem.
Como teria saído daquela enrascada ele não sabia ao certo. O resfriado o deixou acamado por dias. Por sorte não foi H1N1. Viu pela TV imagens da Avenida Paulista com uma dezena de barracas vazias. Vazia estava a sua mente. Ele nunca mais quis enchê-la com coisas de uma juventude outrora rebelde. Amanhã é dia de batente, pensou, virou pro lado e dormiu.
10/05/2016,
Carone.

terça-feira, 8 de março de 2016

Neste dia, do ano de 1857, as operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque entraram em greve ocupando a fábrica, para reivindicarem a redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas. Estas operárias, que recebiam menos de um terço do salário dos homens, foram fechadas na fábrica onde, entretanto, se declarara um incêndio, e cerca de 130 mulheres morreram queimadas.
Desde então, é importante lembrar que o sacrifício da mulher em toda luta pela revolução do povo contra o sistemas capitalista e assassino foi determinante. Poderíamos citar aqui milhares de nomes de mulheres que deram a própria vida pela emancipação e o reconhecimento de ser mulher, valorizando a diferença mas exaltando a igualdade na luta pela liberdade.
BOM DIA MULHER, VOCÊ É TUDO!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

PEQUENA HISTÓRIA DE UM TIO. Proximamente a tradução em português


Zi Gecco




Jamais l'abbaye des frères cisterciens n'avait vu autant de monde comme ce fut le cas le jour des funérailles de Zi Gecco. Entre amis et curieux, les visiteurs était tellement nombreux que l'abbé dut charger un peloton de novices pour que la file se déroule en bon ordre devant le cercueil.
Zi Gecco n'était pas un notable ni un politique important, mais c'était l'homme du Chêne. Celui qui parlait aux chiens mais surtout connu à cent kilomètres à la ronde comme l'infaillible météorologue au palo de la trinità. Enveloppé de mystère, personne n'avait pu dire avec précision, au moment de rédiger son acte de décès, la durée de sa vie. On l'avait traité de fou, de philosophe ou de sorcier, selon le degré des préjugés. À présent qu'il ne prévoyait plus rien, on s'était déplacé de loin, juste pour s'arrêter un instant devant le couvercle fermé de sa caisse, fabriquée à toute vitesse par un menuisier du coin qui avait exigé que la dernière demeure de Zi Gecco soit faite du bois de ce même vieux Chêne qui l'avait abrité durant sa vie. Car en ce jour, on ne plaignait pas seulement la mort de Zi Gecco, brûlé vif, mais aussi de l'assassinat de ce colosse séculaire abattu à la tronçonneuse encore en pleine santé. Ce qui avait sans doute poussé Zi Gecco à frotter sa dernière allumette.
Mais allons voir.
Le drame allait se consommer un vendredi de Pâques, quand à 07h pile Zi Gecco descendait sa butte à petit pas, suivi par ses onze chiens. Il avait du mal à comprendre mais ce matin-là, une insolite hésitation des chiens à l'heure de se mettre en route lui suggérait que quelque chose ne tournait pas rond.
Cela donnait à réfléchir.
Il boucha rapidement l'entrée de sa cabane avec une grosse boule de ronces, comme il le faisait chaque matin avant de descendre jusqu'à son vieux chêne, dont les branches séculaires l'abritaient de la pluie et du soleil à longueur de jour.
Cet arbre, dont le tronc demandait six bras d'homme pour l'entourer, gardait l'entrée de l'ancienne abbaye des frères cisterciens comme un maître du temps. L'homme était arrivé sur la lune, l'urbanisation avait dévoré mer et monts, mais pas une goutte de ciment n'avait encore coulé sur ce doux versant des Préappenins où, ayant échappé à la convoitise des agro-industriels, les oliviers tordus par les siècles escaladaient paresseusement la pente, jusqu'où la neige le permettait.
Depuis bien longtemps, quand ne passaient encore sur cette route départementale que de ânes et quelque rares Fiat menant les autorités en ville, Zi Gecco passait déjà ses jours en apprenant le langage des chiens à l'ombre du chêne. Il n'était pas vraiment croyant, ni ne s'était d'ailleurs jamais posé ce genre de questions, mais même ainsi, les frères de l'abbaye, le trouvant inoffensif, avaient pris l'habitude d’ajouter un plat de soupe à table. Il acceptait, plus pour entretenir des relations de bon voisinage que par nécessité, vu que, à manger et à boire pour lui et ses bestioles, il en avait souvent de trop. Sa première occupation en arrivant sur place était de décrocher toute sorte de paquets que ses nombreux amis prenaient soin de lui laisser bien à l'abri de fourmis.
Zi Gecco était singulier, sans doute, mais tout le monde avait de l'affection pour lui et, à part les notables qui n'ont jamais le temps de s'arrêter, les vachers, les bergers, des écoliers aussi, lui laissaient toujours chemin faisant une petite pensée suspendue à son arbre. Et lui, dès son arrivée, il séparait la nourriture pour lui ou pour ses chiens et, selon la chaleur, allait conserver les denrées périssables dans le ruisseau d'à côté. Le reste de la journée ne se prêtait pas à l’ennui.
Même dans ce petit coin ignoré par la voracité de l'homme, les effets du temps se faisaient sentir et maintenant, Zi Gecco avait parfois du mal à s'occuper de tout ce monde qui, au fur et à mesure, avait remplacé l’âne pour une voiture et les pâturages pour une usine. Mais Zi Gecco, à l'ère de la télé et des satellites, était toujours le seul météorologue digne de confiance absolue. Une réputation conquise et méritée à travers des décades de pronostics d'une précision stupéfiante. De mémoire d'homme, il n'avait jamais raté une pluie, un sirocco ou une tempête. Voila pourquoi, en dépit de la difficulté à se garer près du chêne, de père en fils on restait fidèles aux prévisions indéfectibles de celui qui parlait avec les chiens. Parmi ceux qui s'arrêtaient pour le consulter, beaucoup ne se préoccupaient guère de savoir s'il allait faire bon ou mauvais, mais il était difficile de passer par ce chêne sans y faire une halte pour caresser quelques petites têtes de ses bestioles et surtout, surtout voir Zi Gecco tourner autour de son palo de la trinità, les yeux fermés, narines dilatées, pendant que ses bras moulinaient l'air dans un frénétique mouvement circulaire inversé. Cela ne durait pas plus d'une ou deux minutes au maximum, cela dépendait de la distance et de la vitesse du courant d'air à prévoir.
Combien de fois, avec un ciel totalement dégagé et sans un fil de vent, il avait surpris ses patients – c'était ainsi qu'il les appelait- en leur annonçant une averse de grêle dans l'heure à venir. Il ne manquait pas de sceptiques qui attendaient sur place, dans la certitude de pouvoir ensuite se moquer de lui. Inévitablement, on voyait sans tarder l'incrédule courir à toute vitesse à sa voiture, frappé par les grêlons. A ces occasions, Zi Gecco n'avait jamais rien a redire. Il allait se nicher dans une confortable cavité à la base du tronc du chêne et là, il se marrait tout doucement des caprices du temps et plaisantait avec les chiens.
Bien sûr, Zi Gecco avait ses soucis comme tout le monde. Il y eut par exemple un moment, et cela à cause d'un de ces mystiques chevelus qui parlait comme une machine à coudre et qui s'était mis allez savoir quoi en tête, où un tas de gens, y compris une équipe de télévision, s'étaient un beau jour pointés au chêne avec l'absurde prétention d’emporter avec eux son palo de la trinità pour le faire analyser. L'étudier, comme ils disaient. On cherchait à le convaincre, on lui disait surtout qu'il ne pouvait pas s'opposer au progrès, empêcher la science de faire ce qui lui revenait de droit, etc. Enfin, il leur fallait faire la lumière sur cette légende qui, disons-le, avait déjà créé assez de malentendus.
Même n'ayant pas compris tout de leur arguments, Zi Gecco ne manqua pas de patience en leur expliquant que son palo n'avait vraiment rien de spécial, qu'il l'appelait de la trinitá tout simplement parce qu'il l'avait coupé dans une vallée voisine qui portait ce nom. Ce n'était qu'un bâton, fait avec la troisième branche polie d'un châtaigner quelconque, comme en trouvait partout dans le coin. Et s'ils étaient vraiment intéressés, il pouvait leur en procurer une dizaine exactement semblables, il fallait juste attendre la lune décroissante. Mais celui-ci, son palo, alors là non, pas question de s'en séparer. C'était affectif. Ses chiens, d'ailleurs, ne l'auraient jamais permis. Ainsi disant, il extirpa son palo du sol, là où il le plantait chaque matin, et à l'instant même un chien roux vint le prendre dans sa gueule et dévala la pente à toute vitesse.
Le mystère de son infaillibilité sur les prévisions du temps, qui à une époque révolue était resté circonscrit aux foyers des environs courait maintenant de bouche en bouche, alimentant la curiosité, mais attisant aussi la convoitise de certains coquins qui auraient tout fait pour s'approprier le fameux palo de la trinità. Sa cabane avait été fouillée à plusieurs reprises et une fois, il avait été même surpris et drogué en pleine nuit. Le lendemain, il s’était réveillé dehors, au milieu de dizaine de trous creusés tout autour. On avait emporté tout ce qui pourrait ressembler à un fétiche, tout objet aux senteurs de potions magique. Il ne s'en faisait pas, sauf pour ses chiens qui, avec leur masse corporelle plus faible, avaient plus de mal que lui à se remettre du somnifère qui leur avait aussi été administré. Une fois seulement, découvrant la disparition d'une marmite en cuivre emportée lors d’un de ces pillages, il fut sacrement touché. À croire que ce chaudron, qui avait servi depuis toujours à préparer des décoctions incomparables contre les rhumatismes, était un vestige, peut-être le dernier, qui par un fil d'éther le rattachait à l'origine où résidait la raison de son existence. Pour la première fois, cédant au chagrin, il avait déserté son chêne pendant deux ou trois jours.
Autrefois on se serait vite inquiété de cette absence, mais les temps changent et, avec la télévision qui remplace tout et dit vrai même quand elle se trompe, on n’avait plus le temps d'aller voir ce qui était arrivé à Zi Gecco, qui n’avait pas touché à ses sacs de nourriture pendus au chêne.
Au fond, ceux qui s'intéressaient encore sérieusement à ses prévisions sans faille ou à son palo, étaient plus des scientifiques excentriques ou des chasseurs de trésors que la progéniture du coin, qui travaillait désormais en ville. S’ils lui sacrifiaient encore quelque minute, c'était par vague respect pour la tradition, à peine, et parfois sans même descendre de voiture. Si les parents de ces nouveaux employés pressés étaient encore vivants, les fistons, pour qui le bon ou mauvais temps ne changeait en rien leur routine, n’oubliaient pas que Zi Gecco n'était pas qu'un baromètre à consulter à l’occasion. Loin de là, Zi Gecco était un esprit unique : le seul être vivant connu qui, par des circonstances extraordinaires, n'avait pas eu besoin d'abandonner l'instinct animal pour acquérir l’intelligence humaine. Il avait tout naturellement la faculté de conjuguer le kairos avec le conceptuel ; le don de combiner à justes doses diagnostic et pronostic, mais dont la précision n'était pas explicable, sinon par la présumée magie de son totem : le palo de la trinità.
Les anciens avaient bien senti que Zi Gecco n'était pas comme les autres. Ils n'auraient pas su dire ce qu'il avait de spécial, mais ils savaient avec certitude que cet homme sans âge qui parlait aux chiens était plus qu'un baromètre et ils ne cherchaient pas plus loin. Au contraire de leurs fils et petits-fils, qui se limitaient aujourd'hui à nourrir une légende, histoire de ne pas crever d’ennui, leurs vieux le respectaient et le craignaient.
Mais, comme on disait, le monde change et avec les nouvelles générations, nous avons ceux des vallées qui vont s'intoxiquer dans les bureaux en ville et d’autres qui quittent la ville et essayent d'oublier l'omniprésence des ordinateurs en tirant sur un joint à l'air libre. Attirés par le tempérament pacifique, mais surtout à cause de certaines formulations verbales qu'on trouvaient foisonnantes, ces derniers avaient pris l'habitude de se retrouver au coucher du soleil sous le vieux chêne de Zi Gecco. D'ailleurs, une ancienne abbaye enfoncée dans la fraîcheur et la paix des oliviers centenaires, le fracas des eaux roulant les pierres du torrent d'à côté, et cet homme qui devine le temps et parle aux chiens comme Saint François le faisait avec ses oiseaux, y avait-il meilleur tableau pour ces jeunes en quête d'épanouissement ?
Zi Gecco recevait tout le monde, le chêne ne s'en plaignait pas et, tout comme lui, ses chiens n'avaient rien à redire non plus à l'odeur douceâtre de la fumette. Cela leur semblait même moins suspect que les litrons de blanc que certains paysans respectables du coin venaient encore se siffler dans le seul endroit où leur femmes n'auraient jamais mis les pieds. Car Zi Gecco et son chêne n'étaient pas dans les grâces de certains foyers catholiques apostoliques et romains, lesquels chaque dimanche allaient à la queue leu leu se confesser chez les cisterciens, surtout pour leur demander de virer enfin cet hérétique et son palo ensorcelé de ce lieu bénit.
De son côté, loin d'imaginer de telles réactions de rejet, Zi Gecco et ses chiens avaient toujours en réserve un petit numéro, de quoi surprendre allègrement quiconque passait par là sans oublier de jeter un coup d’œil à ce bon chêne, témoin impérissable d'un monde franc fait pour ne déplaire à personne.
Mais voilà que depuis qu'on a commencé à s'en occuper sérieusement, la liberté s'est vite révélée être un bien trop lucratif pour la laisser dormir à l'ombre des chênes ou des oliviers. Un esprit libre est un guerrier et la liberté est un butin de guerre. Ceci, Zi Gecco ne le savait pas, et ses nouveaux ''patients '' n'étaient pas ici pour y veiller.
Néanmoins, parmi ces drôles d'oiseaux urbains qui venaient en fin de journée dégourdir ses ailes chez lui, l’un d’eux avait essayé de le mettre en garde contre les maîtres des ténèbres qui engloutissent tout sur leur chemin, avec une claire préférence pour les vieux chênes et leurs derniers habitants. Gentil comme il l'était, Zi Gecco semblait écouter les bons conseils de tout le monde. Mais dès que les voitures des ces jeunes sages redémarraient, toute ces recommandations s'envolaient comme un dernier vol d'oiseaux effrayé. Et le lendemain ne serait qu'un autre jour, égal et différent comme l'éternité.
Sauf ce matin du vendredi de Pâques.
Depuis sa cabane, Zi Gecco prenait toujours un raccourci à travers le bois qui débouchait abruptement sur la départementale, juste en face du chêne. Les chiens qui d'habitude le devançaient, traînaient étrangement ce matin derrière lui. Au point que Zi Gecco dut s'arrêter à plusieurs reprises pour leur demander raison de cette gênante paresse. Les chiens écoutaient ses réprimandes la tête entre les pattes, dans un mutisme déconcertant. Un frisson parcourut le dos de Zi Gecco, l'air était frais et les buissons brillaient sous la rosée du matin. Il encouragea ses bestioles et allongea le pas.
À l'instant où il sauta sur le goudron de la départementale, un rayon de soleil le frappa au visage comme une lame de feu. Il recula, ferma les yeux, les chiens tous ensemble émirent un seul gémissement aigu. Quelque chose ne tournait vraiment pas rond. Ce soleil ne devrait pas être là, pas comme cela. C'est-à-dire, il était bien à l'heure, et chez lui. Voyons, qui pourrait se permettre de lui donner des ordres, seulement que... Le chêne, c'était son chêne qui n'était plus à sa place ! Il s'était couché. Le soleil montait dans le ciel, ses dards ardents avaient aveuglé Zi Gecco, mais le chêne gisait sur le flanc, indifférent aux cris des oiseaux qui voletaient au dessus de ses branches à la recherche désespérée d'un signe de vie.
Pendant le temps d'une longue réflexion, Zi Gecco regarda, fasciné, le disque candide de l’arbre scié, hypnotisé par la blancheur monumentale qui pulsait encore du tronc juste abattu. Puis les chiens mordirent ses pantalons, saignèrent ses mollets, jusqu'à l'arracher du goudron et l'obliger à regagner la protection ombrageuse du bois.
Zi Gecco recula alors un pas après l'autre. Arrivé à sa cabane,
avec un cri horrifiant, il dispersa ses onze chiens, puis écarta la boule de ronces, pénétra à l’intérieur, s'agenouilla devant son palo de la trinitá et craqua sa dernière allumette.

domingo, 31 de janeiro de 2016

DESINFORMAÇÃO E MANIPULAÇÃO MIDIÁTICA

GOSTARIA DE DAR CONHECIMENTO AOS AMIGOS COMO O OMBUSDMAN DA FOLHA DE SÃO PAULO TRATA OS VALORES DAS NOTÍCIAS E OS PEDIDOS DE RETIFICAÇÕES DOS LEITORES. LEIAM ABAIXO:
*H*á exatas duas semanas a *Folha de S. Paulo* publicou uma coluna de
Reinaldo Azevedo na qual, para satanizar o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (o que ele e a *veja* fazem dia sim, outro também, há anos),
mentiu descaradamente sobre o desfecho do Caso Battisti.
Após sustentar que Lula se consideraria "o inimputável da República",
Azevedo foi mais além em suas invencionices manipulatórias:
*"*Vai ver isso decorre daquela maioria excêntrica formada no STF, em 2009,
que decidiu que o refúgio concedido a Cesare Battisti era ilegal, mas que
cabia a Lula decidir se o terrorista ficaria ou não no Brasil. Ficou.
Assim, os excêntricos de toga lhe concederam a licença única para decidir
contra a lei*"*.
No mesmo dia (15/01/2016), os três principais defensores de Battisti na
batalha de opinião publica outrora travada escrevemos à ombudsman da *Folha*,
Vera Guimarães Martins, pedindo um posicionamento do jornal com relação a
quem utiliza suas páginas para falsear a História e insuflar campanhas de
ódio.
Eu pedi à ombudsman que cumprisse a sua missão de defender as boas práticas
jornalísticas, evitando que fosse estigmatizado um escritor já sexagenário,
que está aqui em situação perfeitamente legal e leva vida produtiva e
pacata em nosso país, tendo esposa e filho brasileiros.
*Cesare Battisti, hoje: um sexagenário pacato e produtivo.*
E expliquei o que o Supremo Tribunal Federal *realmente* decidira, ao cabo
de três longas e dramáticas sessões de julgamento, cujas três votações
tiveram o mesmo placar de 5x4, atestando a complexidade do assunto que
Azevedo pretendeu esgotar de forma tão leviana e superficial:
*"*1. anular a decisão do então ministro da Justiça Tarso Genro de
conceder refúgio humanitário a Battisti, por considerar que os motivos
alegados eram insuficientes para tanto;
2. autorizar a extradição de Battisti, solicitada pela Itália;
3. reafirmar a jurisprudência de que cabe ao presidente da República,
como condutor das relações internacionais do País, a palavra final sobre
pedidos de extradição.
Foi, portanto, uma mentira cabeluda do Azevedo: Lula não decidiu 'contra a
lei', apenas exerceu uma prerrogativa presidencial que sempre existiu em
nossa tradição republicana.
Azevedo também tenta vincular demagogicamente a terceira decisão à
primeira, o que é uma ofensa à inteligência dos leitores da *Folha*. O
refúgio humanitário foi anulado, mas isto apenas impedia Lula de o
restabelecer. A decisão presidencial foi outra, a de não autorizar a
extradição*"*.
<http://www.revistaforum.com.br/…/dalmo-dallari-reducao-maio…>
*Para Dalmo Dallari, negar extradição foi "ato de soberania".*
O valoroso jornalista Rui Martins *solicitou*
<http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/…/reinaldo-azeved…>
que
se publicasse algo "para retificar erro do colunista Reinaldo Azevedo, em
nome da equidade e veracidade na imprensa". E deu dois links para a
ombudsman informar-se melhor sobre o assunto, em termos jurídicos: *um*
<http://www.conjur.com.br/…/executivo-quem-ultima-palavara-p…>
do
respeitadíssimo site *Consultor Jurídico* e *outro*
<http://grupobeatrice.blogspot.ch/…/artigo-5-inciso-52-da-co…>
do
maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari.
E Carlos Lungarzo, professor universitário, escritor e defensor histórico
dos direitos humanos, depois de *esmiuçar*
<http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/…/reinaldo-azeved…>
os
aspectos jurídicos do caso, desabafou:
*"*A posição da *Folha* no caso Battisti é conhecida não apenas no Brasil,
mas também no exterior, bem como suas interpretações do caso e suas fontes,
nem sempre isentas.
Entretanto, a matéria do colunista Reinaldo Azevedo excedeu tudo o que já
lemos na *Folha* e mesmo em outros veículos...*"*
O que fez a ombudsman, diante de tais queixas consistentes, apresentadas
por leitores e cidadãos respeitáveis, os três idosos, os três com um
currículo inatacável como paladinos dos direitos humanos?
*O passado condena: ajudando Médici a soprar as velinhas...*
Nada, absolutamente nada. Nem publicou a retificação que se impunha, nem
mesmo respondeu aos três e-mails. Foi uma ofensa inédita: todos os
ombudsman anteriores achavam algo para dizer em tais situações, ainda que
não passassem de platitudes ou desculpas esfarrapadas.
Ou seja, Vera Martins não cumpriu sua obrigação profissional, não se
comportou com um mínimo de civilidade e nem mesmo levou em consideração a
condição de idosos dos seus interlocutores.
Ficou muito aquém de sua digna antecessora, Suzana Singer, que teve coragem
de discordar da outorga de um espaço semanal para Reinaldo Azevedo fazer
sua panfletagem ultradireitista, argumentando que no jornalismo impresso
"espera-se mais argumento e menos estridência; mais substância, menos
espuma; do contrário, a *Folha* estará apenas fazendo barulho e importando
a selvageria que impera no ambiente conflagrado da internet".
Mas, só pessoas muito especiais ousam remar contra a corrente. E Reinaldo
Azevedo parece ser exatamente o tipo de colunista que a *Folha* gosta de
ter, tanto que acaba de admitir um filhote do dito cujo como *colunista
júnior* no seu site.

NASSERÁ


De Cesare Battisti
Tradução Rafael Alves

Antes de Nasserá, minha reputação no bairro se resumia a subir e descer as escadas do meu prédio para abastecer-me, minha única preocupação, e única percepção possível de mim. Era certamente um deprimido, mas não sabia. Contudo, como eu pagava em dia todas as minhas contas, garantia um “bom dia” de meus vizinhos, incluindo os mais antipáticos, que agora me achavam inofensivo e finalmente apagaram de seus olhares esquivos a palavra ‘parasita’. Além disso, desfrutava de um pequeno conforto, um quitinete herdado, combinado com um certo talento na arte de driblar obstáculos para conseguir auxílios sociais. O que me permitia levar uma vida longe do estresse das ambições.
Depois de Nasserá, passei a tomar trens, um após o outro, porque a cada chegada via apenas uma boa razão para ir ainda mais longe. Longe dos prazeres da decomposição, e recomposto nos caminhos do inferno. Como Nasserá, que havia fugido da África. De qual país africano? Que importância tem isso, quando qualquer africano pobre tem que fugir, mais cedo ou mais tarde, de sua própria terra? Os meus fones de ouvido diziam... “Escute o que diz o vento, my friend o vento vai responder”... Quando a minha vida ia se fundir à dela. Antes, eu não imaginava que na rua existissem pessoas sem direito de ir e vir, e nunca tinha visto uma mulher escapar da polícia tão graciosamente. Ela não correu, mas seu corpo emanava uma força que moveu o ar. A baguete caiu de minhas mãos quando me desesperei para abrir a porta do prédio.
Ela tinha as maçãs do rosto salientes, o nariz bem desenhado e o cabelo cortado como o de um rapaz. Sabia onde encontrar os testículos de carneiro para preparar o Mako-Mako, delicioso, mesmo sem o fígado de dromedário. Sua voz era tão doce quanto seus suspiros. Mas ela estava ferida, não apenas na mente, mas também em seu corpo. Ela fez amor comigo no escuro porque tinha vergonha de seu corpo mutilado pelas agulhas das megeras que procuravam a marca do diabo. “E elas descobriram a marca?” Um fanático sempre encontra o que procura; em Nasserá havia dezenas.
Fugir. Salvar a vida, sua liberdade de ser mulher opositora do apedrejamento daqueles que ousavam aventurar-se, em sua aldeia, para ensinar o perigo da Aids.
Nasserá, bruxa para alguns, adultera para outros. Aqui, imigrante ilegal.
Eu nunca frequentei muito cinema até conhecer Nasserá. Ela tinha um método infalível para evitar longas filas nos guichês: "Se há muita gente, o filme não é bom." Sempre na fileira da frente, levantava a cabeça como se a tela fosse um céu palpitante. E ela planava. De repente, entre uma exclamação e um suspiro, voltava um instante para mim com um beijo na bochecha. Estava eu apaixonado? Hoje eu revivo em pensamento essas palavras que me levaram a construir uma armadura de indiferença que sempre carregarei.
Nasserá podia ler minha mente, curou minhas dores de cabeça pousando a mão esquerda sobre meu ombro. "Você é uma bruxa?" Sua risada ressoou na sala como mil sininhos. Guillaume, meu vizinho, não gostava de mim. Ele era primo de um do secretário de segurança e tinha muita sensibilidade auditiva. Tornava-se cada dia mais intolerante. Seus gerânios adoeceram, envenenados, disse ele. Nasserá o evitava, eu me ria.
Eu odeio croissant de chocolate. Nasserá adorava. No saco de pão eu levava dez. Caíram de minhas mãos quando o porteiro me disse que ela tinha sido levada pela polícia. "Onde?" Corri. Como barata tonta, esbarrava nos muros do cinismo erguidos no anonimato das instituições. O silêncio antes da infâmia: "Vá para casa, senhor, ela se enforcou."
Voltei. Como verme em seu casulo.
O coração envolto em névoa, fazia minhas malas quando os bombeiros descobriram o corpo de Guillaume, meu vizinho, o primo do secretário de segurança. Morto, enforcado.
Hoje sempre volto à pergunta que um dia fiz à minha pequena clandestina: "Diga-me Nasserá, você nunca teve medo da morte?" Ela então olhou-me com seus olhos negros admirados: "Quando se morre, tem-se muito mais a fazer do que pensar sobre a morte...". Nunca tinha pensado nisso, mas agora penso.
E em toda estação ferroviária eu não vejo outra coisa, pessoas morrendo sem se dar conta.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

ENCONTRO DE FAMIÍLIA


  Outro ano e aí vai mais um encontro da Família Battisti no Brasil. O décimo quarto. Não participei a todos, teria sido impossível. Em 2002, quando tudo começou, ainda estava morando na França e nessa época se quer tinha imaginado que algum dia, em 2004, ia parar neste Pais, para me reunir com tantos Battisti, uma multidão inimaginável até mesmo na terra de onde todos nós vimos. Até 2007, por óbvias razões, tanto eu como o Encontro da Família passamos reciprocamente despercebidos. Depois disso veio o meu processo de extradição com quase quatro anos e meio de cadeia. Mas já nesse período alguns Battisti tinham reparado em mim e quando fiquei livre de ir e vir, eles me apanharam durante o Foro Social de Porto Alegre, quando me prestava a tomar a palavra em um debate sobre literatura .

  Impossível esquecer desse momento. A sala lotada, um pelotão de jornalistas na espreita de flagrar o monstro Battisti, a mesa composta de alguns corajosos dispostos a desafiar a provocação que podia chegar a qualquer momento. Foi nesse instante que, em um passo decisivo, Pedrão e Jair Battisti vieram se erguer na minha frente, provocando um murmúrio na sala e a excitação do scoop iminente entre os jornalistas. Nós, da mesa, não tivemos nem tem ainda palavras para descrever o panico que cada um ressentiu frente aos quase dois metros de Pedrão e a não indiferente corpulência de Jair. Foi Pedrão que atacou primeiro em voz alta : “Meu nome é Pedro Battisti. Tenho uma fábrica de móveis que se chamava assim e por causa de você, veja evitar a falência, tive que trocar de nome. A esse ponto o jornalistas estavam com a baba à boca; nós da mesa tentávamos respirar o que ficava de oxigênio na sala. Mas, e sempre tem um 'mas', de repente tudo mudou. O gigante Pedrão sorriu, mostrou-me o livro que tinha em baixo do braço e pediu-me muito gentilmente uma dedicatória. Era o meu primeiro romance publicado no Brasil.

  Esvazia-se a sala, ao final do debate, Pedro e Jair nos convidaram para jantar. Foi em uma das melhores churrascaria de Porto Alegre que eles me contaram sobre o Encontro da Família Battisti que vinha acontecendo cada segundo domingo de janeiro e ao qual gostariam me apresentar.

   Acabo de presenciar, junto com meu irmão e a esposa dele que vêm da Itália cada ano precisamente nessa data e não é por acaso, ao décimo quarto Encontro da Família Battisti em Rodeio Bonito, RS. Como era de se esperar, foi uma grande festa, cheia de abraços, lagrimas de prazer e tante cose buone come si dice da noi.
Aí vêm algumas imagens.
Até a próxima. 
 



quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Entrevista da BDF a João Pedro Stedile. Não perca!

BDF acaba de publicar uma entrevista com João Pedro Stedile. O Agronegócio, a Reforma Agraria e o Plano de Desenvolvimento são tratados minuciosamente seja do ponto de vista cientifico como social. São raras as ocasiões para se ter conhecimento tão profundo e exaustivo sobre um tema que não para de envenenar a vida do povo... "global". A matéria é um pouco cumprida, mas tomem um tempinho, vale a pena.
Segue a entrevista:



JOÃO PEDRO STÉDILE
Tem veneno no tomate, no abacaxi e até na pinga
Para líder do MST, o país precisa fazer um trabalho civilizatório de alerta à população sobre os perigos à saúde causados pelo agronegócio. 'Estão tendo lucro a peso de vidas humanas'
por Paulo Donizetti de Souza publicado 09/03/2015 11:55, última modificação 05/05/2015 16:06
GERARDO LAZZARI/RBA
"Agricultura familiar produz 297 alimentos. Agronegócio é soja, milho, algodão, eucalipto e cana, e se diz salvador da pátria"
Nos 30 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, um de seus coordenadores nacionais, o economista João Pedro Stédile, não vê mais como prosperar, no Brasil, a luta pela reforma agrária tal como conhecida nos primórdios do MST. Ele observa que no senso comum das pessoas trata-se de repartir o latifúndio e entregar para os sem-terra. "E é isso mesmo, na essência, romper com a grande propriedade. Porém, os projetos de reforma agrária, feitos pelo governo com os instrumentos do Estado, só se viabilizaram, no passado, porque eram política combinada com um projeto de desenvolvimento nacional que objetivava desenvolver a indústria para o mercado interno", diz.
O movimento, no entanto, avalia que a questão agrária não pode se resumir ao objetivo de proporcionar trabalho para segurar as pessoas no campo. "A reforma agrária não é apenas resolver um problema de trabalho. Tem de ser para resolver o problema do veneno, da alimentação sadia. De garantir um futuro, de fazer uma agricultura que respeite o meio ambiente, que respeite a biodiversidade", explica. Enfim, tem de ser base de um novo modelo de desenvolvimento, que una na mesma planilha progresso industrial e sustentabilidade.
Stédile critica a permissividade com que se prolifera no Brasil o uso de agrotóxicos já proibidos em outras partes do mundo por sua agressividade ao ambiente e à saúde. Cita pesquisas que associam o veneno agrícola ao crescimento da incidência de doenças como câncer de próstata, de mama, mal de Parkinson e a problemas de infertilidade. Alerta que, no cigarro, a má fama fica com a nicotina, "que só vicia - o que mata são os produtos químicos usados, sobretudo, no cultivo do fumo". E que a produção em larga escala de cana-de-açúcar levando o veneno também para a aguardente: "Pode largar mão de tomar pinga. No Brasil se bebe cachaça há 400 anos, mas antigamente não tinha veneno, e agora tem".
Stédile vê o cenário político-institucional brasileiro dominado pelo poder econômico. Para ele a burguesia industrial perdeu a oportunidade de fazer um pacto de desenvolvimento porque prefere colocar dinheiro na especulação financeira. "Por isso foram contra a CPMF. Porque o dinheiro deles está no banco, não na fábrica e na produção." Diante da hegemonia do agronegócio no Legislativo e no Judiciário, e de um governo dividido pela composição de classes em seu ministério, não está otimista: "Estamos ferrados". Ele, aposta, porém que "a médio prazo" haverá uma nova ascensão dos movimentos de massa, como foi de 1976 a 1989, empurrada pelo agravamento das contradições da política e do capitalismo brasileiro.
A quantas anda o potencial agressivo dos alimentos que a população consome?
O modelo do agronegócio é apenas um modelo de se ganhar dinheiro. Se o único objetivo é ter lucro, não importa se vão destruir a natureza, se vão usar venenos, se desempregam pessoas. Nos últimos dez anos, apesar de termos um governo progressista, o agronegócio expulsou em torno de 4 milhões de trabalhadores assalariados. O trabalho humano foi substituído por máquinas e pelo veneno. O uso do veneno, por esse modelo, não é uma necessidade agronômica. Para se produzir não precisa veneno, que é usado como uma forma de substituir a mão de obra que antes fazia as práticas agrícolas com tempo de trabalho, por exemplo a capina, um plantio mais cuidadoso. Agora, é máquina e veneno. Primeiro, para substituir a mão de obra. Segundo, como são monoculturas em larga extensão - ou só soja, ou só laranja, ou só algodão, ou só pasto - têm de matar, na lógica deles, todas as outras formas de vida vegetal ou animal. Não praticam uma agricultura. Querem produzir uma commodity. O veneno é a forma de matarem tudo que não é soja, que não é laranja, tudo que não é algodão.
E o veneno, em si, também é um negócio.
GERARDO LAZZARI / RBA
O economista João Pedro Stédile
Há uma aliança de interesses. A Monsanto, por exemplo, fornece fertilizantes, veneno, e compra soja. A mesma coisa a Cutrale com a laranja. A mesma empresa ganha dinheiro com veneno e controlando o mercado, que tem origem nas fórmulas desenvolvidas pela Bayer, pela Basf, pela Du Pont, para os negócios das guerras. Na Primeira e na Segunda Guerra Mundial usaram muito. Depois, na Guerra do Vietnã. Quando terminaram as guerras, as fábricas de veneno pra matar gente e floresta em larga escala foram adequadas para a agricultura.
Agora não é mais em larga escala?
São as mesmas empresas. É os efeitos são de extrema gravidade. Um punhado assim de terra (junta as mãos em concha), tem mais de mil formas de vida. São aqueles bichinhos invisíveis, bactérias, que formam os nutrientes, senão a terra não produz nada. O veneno mata essas formas de vida. E contamina a água. Todas as grandes cidades do Brasil já têm água contaminada com mais de 20 princípios ativos de venenos agrícolas, inclusive em São Paulo. Essa água que a Sabesp nos fornece, que aparentemente é boa, mesmo sendo considerada potável, tem mais de 20 contaminações que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ainda considera tolerável porque está dispersa. Só que se tomar essa água todos os dias, aquele veneno, que é químico e não conseguimos ver, vai se acumulando no organismo e também nos alimentos. Está em doses mínimas, não vai matar na hora, mas vai se acumulando no organismo.
Como o consumidor de alimentos e dessa água pode imaginar alguma gravidade se ele, como diz o samba, "bebe sim, come sim, e está vivendo..."? Não seria um alarmismo falar que essa água e esse alimento são envenenados?
É uma necessidade da população saber o que tem naquele alimento. Em relação à água, que é mais problemático, os graus de contaminação, no Brasil, estão acima de qualquer país da Europa. Temos uma campanha nacional contra o uso do agrotóxico, da qual participam, inclusive, técnicos da Anvisa, para pressionar o governo a mudar a legislação e baixar os índices de toxidade a limites como os da Europa. E nos alimentos, a única coisa que a Anvisa faz é avisar. Fazem uma pesquisa a cada seis meses nos supermercados, só têm dois laboratórios no país que fazem, quando deveria haver um por cidade, e te avisam. Nós já estamos cansados de saber. Mas vamos avisar os leitores: os produtos que têm mais agrotóxico são o tomate, o pimentão, o morango e a maçã. Ultrapassam o tolerável. Se você está acostumado a, toda semana, comer maçã, é claro que você vai acumular mais veneno do que quem come banana. Se você está acostumado a sempre fazer a comida com pimentão, está frito, porque o pimentão vai transferir para o seu organismo um índice maior de veneno.
Mas se as pessoas não sentem os efeitos do veneno...
Aí vem a maior gravidade: os cientistas e médicos que trabalham no Instituto Nacional do Câncer (Inca) têm feito várias pesquisas e alertado que o veneno, quando se acumula no organismo, começa a atacar as células mais frágeis. É por isso que tem aumentado a incidência de alguns tipos câncer, que não têm mais relação com a idade das pessoas. Você pode ter câncer de próstata com 40 anos. Tem mulheres com 20, 30 anos, com câncer de mama. Por quê? Veneno. O professor Wanderlei Pignatti, da Universidade Federal do Mato Grosso, pesquisou durante dez anos mulheres de uma região do estado e encontrou resíduos de glifosato no leite materno. As mães que achavam que estavam dando o melhor alimento do mundo não sabiam que através do alimento que comiam concentravam também o veneno absorvido no leite; e as crianças, ainda bebês, estavam recebendo suas primeiras doses.
Esse mesmo professor fez outra pesquisa também muito interessante. Há um secante que é passado na soja, para uniformizar seu amadurecimento, porque na natureza não amadurece tudo ao mesmo tempo. Como querem usar a máquina, então têm de entrar quando todas estiverem maduras. Passam então um veneno, a base de glifosato, o chamado secante, que na verdade "mata" toda a soja. Aí vem a máquina e toda a soja está seca. Ao matar a soja, aquele veneno não é mais absorvido pelo grão. Vai para a natureza. Sobe como pó e, conforme o vento, vai para qualquer parte. Açude, horta, serra, qualquer lugar. Porém, esse professor fez uma pesquisa da maior gravidade, no Mato Grosso, onde chove muito: o veneno voltava com a chuva. De novo, a ação humana. Como no Mato Grosso chove por seis meses, no período de chuva guardam água nas cacimbas, nas cisternas. Aquela água da chuva já vinha com altas doses de glifosato. Na Europa e algumas no Brasil, estão fazendo correlações de incidência do glifosato não só com câncer, mas com outras enfermidades.
Por exemplo?
Há pesquisas científicas na Europa comprovando que pessoas que comem alimentos com índices exagerados de glifosato, que é o veneno mais disseminado, já apresentam baixa fertilidade. Os casais começam a não ter filhos e aí um a põe a culpa no outro, quando na verdade a culpa é do veneno. Também foram feitas pesquisas nos Estados Unidos em regiões onde o mal de Parkinson era mais incidente, e a relação que foi encontrada foi justamente essa. As pessoas tinham se contaminado, com os alimentos ou expostas ao veneno usado na agricultura, e desenvolveram maior propensão ao Parkinson.
Ainda assim, o uso dos agrotóxicos não incomoda as pessoas.
Essa questão me provoca, pois nós, como movimento social e como esquerda em geral, temos de fazer um trabalho civilizatório em alertar a população: é um verdadeiro crime o que está acontecendo por conta do agronegócio. Eles estão tendo lucro a peso de vidas humanas. O Inca advertiu que, a cada ano, surgem 500 mil novos casos de câncer, no Brasil. Grande parte deles vem do uso de venenos agrícolas. Mesmo as duas causas aparentes maiores, o tabaco e o álcool, no caso brasileiro: por que que tem uma incidência maior de câncer no tabaco? Porque para se produzir o tabaco, no Brasil, vão 30 tratamentos de veneno por ano. Aquele veneno vai para a folha e, depois, você aspira, da pior forma, vaporizado. É um veneno que vai direto para a sua garganta e o seu pulmão. Por isso que tem tanto câncer. A fama ruim do cigarro é a nicotina, mas a nicotina não causa câncer. Ela vicia. O veneno está no tabaco. A mesma coisa vale para a cachaça.
Mesmo na região de Salinas, por exemplo?
Sobre Salinas vou absolvê-la, porque conheço a região do norte de Minas e, de fato, a cana-de-açúcar dali, além de estar num microclima e compor uma variedade que só dá lá, produz uma cachaça muito gostosa, lá não usam veneno, pois são tudo pequenas propriedades. Já em São Paulo, toda a cana-de-açúcar é cultivada com altas doses de veneno. Você, que é peão e está acostumado, pode largar mão de tomar cachaça. A cana tem veneno, vai para o alambique, a destilaria, quando se retira o mosto fica a essência, transformada em álcool, junto com o veneno. Ao se tomar a pinga com frequência vai absorvendo. Por isso que tem aparecido câncer entre os alcoólatras. Não é a cachaça o mal pior. Toma-se cachaça há 400 anos no Brasil e antigamente não tinha veneno, agora tem.
As organizações do movimento social rural, como MST, Via Campesina, têm conseguido ampliar a cultura do orgânico nos assentamentos? Existe um projeto para fazer com que cresça uma agroindústria baseada em produtos agrícolas familiares saudáveis?
Acho que é uma longa caminhada que envolve muitos fatores, por isso não é fácil mudar do dia para a noite. Até oito anos atrás, ou até o Lula ganhar as eleições, não havia nenhuma faculdade que ensinasse agroecologia, o agrônomo não sabia como produzir com outras técnicas, na faculdade só se falava em adubo químico e veneno. De oito anos para cá já estamos tendo cursos de agronomia baseados na agroecologia. Olha que demorado. Tem de formar os agrônomos, para que comecem a dar aulas para outros agrônomos e multiplicar o conhecimento, que é universal, das técnicas de agroecologia. Tivemos a sorte de ter aqui no Brasil a maior cientista da agroecologia de solos, que é a professora Ana Maria Primavesi, que tem 92 anos e produziu o conhecimento científico que embasa isso. Estudou profundamente a natureza do solo. Depois, tivemos de levar esse conhecimento para os agricultores e provar para eles que era possível produzir sem veneno. O terceiro campo é convencer o governo, que também é ignorante. Reflete a sociedade. Pela primeira vez, no ano passado - e teve de ser em nível da Secretaria-Geral da Presidência, porque nem o ministério da Agricultura nem o do Desenvolvimento Agrário quiseram se envolver - criamos o primeiro plano nacional de agroecologia, para fomentar o conhecimento.
Com a Embrapa, dá para contar?
Na Embrapa, eles foram muito espertos. Porém, tem duas ou três unidades da Embrapa onde se concentram os agrônomos de maior consciência, que centram as pesquisas em agroecologia. Mas de todas as pesquisas que estão fazendo na Embrapa, 80% interessa ao agronegócio e 20% à agricultura familiar. Esse é o quadro da Embrapa, e reflete um pouco na sociedade. Nosso esforço de anos recentes é fazer com que o governo tenha um olhar mais atencioso para a merenda escolar.
As compras públicas seriam um canal para estimular essa produção?
Exatamente. Agora, conseguimos estabelecer em lei que 30%, no mínimo, de toda a merenda escolar, no Brasil, que é financiado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Ministério da Educação, e vai para as prefeituras, venha da agricultura familiar.
Só 30%? Ainda sobra muito espaço para o Toddynho e o salgadinho...
Ainda sobra muito. Mas também estamos produzindo o Terrinha, que é concorrente do Toddynho, com leite e chocolate sem veneno. Então, é um esforço muito grande... Aqui mesmo, na prefeitura de São Paulo, até a entrada do Fernando Haddad, o anterior se fazia de sonso: "Como não tem agricultura familiar na cidade de São Paulo, não sou obrigado a comprar". Mas a lei não diz que tem de ser do município. Diz que é da agricultura familiar. Agora, com vontade política da prefeitura, as mais de 3 mil escolas respeitam a lei e no mínimo 30% da merenda sai da agricultura familiar. Outro movimento que estamos fazendo, em todo o Brasil: há uma proliferação de feiras agroecológicas. Todas as cidades do Brasil já têm. Algumas de maneira permanente, como a feira da Água Branca (São Paulo), em outras cidades fazemos em temporadas.
E fora dos grandes centros, como está o escoamento?
No Nordeste tem muitas feiras agroecológicas. O trabalho que estamos fazendo é hercúleo, mas necessário e, sobretudo, humanista. Ao produzir alimentos saudáveis, estamos salvando uma parte do povo brasileiro. No fim de semana de carnaval fui à Paraíba, por conta das celebrações do aniversário da Elizabete Teixeira, uma das grandes lideranças ainda viva das Ligas Camponesas, que fez 90 anos. Era também a comemoração dos 100 anos que faria o Francisco Julião, se estivesse vivo, e de 60 anos das Ligas. Aproveitei e andei na região de Campina Grande, visitando agricultores e experiências de agroecologia. Um agrônomo do sindicato local me disse: "Olha, há 15 anos Campina Grande e arredores tinham o maior índice de câncer da Paraíba". De 15 anos para cá, com a assessoria da AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa, programa da ONG Fase), eles treinaram agricultores e hoje, nos 20 municípios da região de Campina Grande não se usa mais veneno, porque lá é uma base só de agricultura familiar. Praticamente eliminaram o veneno. Disseram que não têm estatísticas, mas que praticamente desapareceu o câncer no meio rural, pelo que se registra nos hospitais. Isso é uma vitória fantástica. Começou salvando a vida dos agricultores, que é o primeiro a ser atingido pelo veneno, depois o consumidor, que não vai mais receber as doses diárias de veneno e só se dava conta no hospital.
Há uma perspectiva otimista de que a agricultura familiar possa crescer e disputar com o agronegócio um espaço maior, sobretudo nessas regiões em que o crescimento está se dando de maneira descentralizada?
Não tenho dúvida nenhuma. O chamado mercado dos produtos saudáveis, orgânicos ou agroecológicos cresce em torno de 10%, ao ano. Por outro lado, a população se dá conta de que não é mais caro de se produzir na forma da agroecologia. Como é que ela está se dando conta? Porque estão surgindo mais feiras, então o preço é melhor, e isso está quebrando o monopólio dos supermercados. O que o Pão de Açúcar fazia, e ainda faz? Compra o produto orgânico dos pequenos agricultores, inclusive organizando centrais, onde o pequeno agricultor entrega e eles só lavam e colocam naquelas caixinhas padronizadas; porém, como sabe que o produto orgânico chega numa pessoa que tem mais consciência, classe média, aumenta o preço, para ter lucro máximo, em cima da disposição da classe média de pagar um pouco mais por um produto que tem o selo de garantia. Essa máscara está caindo, porque mais produtos estão chegando ao mercado, às feiras, e as pessoas começam a comparar: por que um quilo de tomate orgânico no Pão de Açúcar custa R$ 14 e na feirinha da Água Branca custa R$ 7?
As pessoas consomem orgânicos por consciência, ou estaria virando "grife"?
É perceptível em todas as regiões que aumentou a consciência da população, tanto pelos casos de saúde na família quanto pelo aumento da informação. Há muita informação que agora circula pela internet e que há dez anos não se tinha. O próximo passo é nós, como movimento social, nessa campanha contra os agrotóxicos, começarmos a buscar barreiras legais ao uso do veneno, coisa que a Europa já vem fazendo. Em toda a Europa é proibido usar pulverização aérea. Aqui é um festival, 60% dos venenos são passados com avião. Dois anos atrás, chegaram a "bombardear" uma escola, enquanto as crianças brincavam no pátio. Foram hospitalizadas mais de 200, porque aspiraram imediatamente. Foi em Rio Verde, Goiás. Um crime. A pulverização aérea nós temos que proibir, porque ela fica no espaço, no ar, no alimento, na água e mata tudo o quanto é ser vivo que existir. Toda a Europa já proibiu.
Essa proibição, enquanto não acontece por lei federal, não poderia ir sendo alcançada por leis municipais ou estaduais?
Nós tivemos alguns municípios que proibiram, como São Gabriel da Palha, no Espírito Santo. Havia uma grande propriedade de café, e o dono pulverizava veneno e todos os pequenos agricultores da região sofriam as consequências. Os pequenos fizeram um movimento, motivaram a Câmara, e proibiram. Nós estamos numa campanha cujo lema é "Banimento dos venenos que já foram banidos em outros países". Porque determinados países proíbem o veneno e o que eles fazem? Trazem para cá. Se um país da Europa proibiu, é porque eles tiveram mais consciência e mais pesquisa para dizer que o veneno é mesmo perigoso. Há uma lista de mais de 20 desses venenos que ainda circulam no Brasil. O glifosato, princípio químico da maior parte dos venenos que se aplicam no Brasil, feito por uma fábrica da Monsanto no polo petroquímico de Camaçari (BA), já foi proibido na Holanda e na Bélgica.
Outra medida que é urgente: tributação. Sobre a água da Sabesp incide imposto, está lá na conta; ou se você comprar da Coca-Cola, ou da Nestlé, paga 17% de IPI. O leite paga imposto, o café paga imposto. Tudo paga. Ou IPI, ou ICMS, ou os dois. Mas os venenos estão isentos de impostos, no Brasil. Qual é a lei que determinou a isenção do ICMS para veneno agrícola? Nós fomos procurar saber. Na época do Fernando Henrique, década de 1990, fizeram uma reunião de secretários estaduais da Fazenda e, como tinham hegemonia nos estados, junto com o secretário do Tesouro, fizeram uma ata renunciando à cobrança de ICMS sobre o veneno. Mais influência das multinacionais do que isso? Tem que ir lá, de estado em estado, dizer que essa lei é fajuta. Ninguém aprovou. Esses secretários não tinham mandato para isso. É preciso que as assembleias legislativas tomem para si essa responsabilidade e voltem a cobrar o ICMS dos venenos, para que pelo menos a sociedade recupere um pouco dos recursos para gastar com saúde, já que as fábricas têm um lucro fantástico.
Como acontece com tabaco e bebidas?
Quem sabe, no futuro, consigamos o que na indústria tabagista já se conseguiu em outros países. Se se comprovar que a causa do câncer do cidadão foi o veneno agrícola, quem tem que pagar o tratamento é a Bayer, a Basf, a Monsanto, quem fez o veneno. Assim como nos Estados Unidos já fazem em relação ao tabaco. Se você comprovar que o teu câncer é por causa do tabaco, a empresa que fabricou o tabaco vai ter que pagar o seu tratamento, e não a sociedade. Mas isso seria um sonho. Espero, também, nessa mesma política, que as prefeituras nos ajudem a produzir material para esclarecer as crianças e os professores dos perigos disso, para começarmos lá na base e elas mesmas, as crianças, recusarem. Por exemplo, quando ela compra uma batata frita, ela perguntou quanto veneno tem na batata? E ela começa a comer batata frita no recreio.
Na cantina ela compra batata frita, refrigerante, suco de caixinha, coxinha...
Tudo o que há de pior. Por exemplo, o abacaxi é uma das frutas que mais utiliza veneno, depois que começou a ser produzido em escala pelo agronegócio em grande propriedade. Quando era o pequeno agricultor, ele tinha meio hectare de abacaxi, porque dá muito trabalho, então ele cuidava de meio hectare. E, na medida em que ia amadurecendo, colhia. Agora não. Eles amadurecem na marra, com veneno. Vão colocando já na flor do abacaxi. O veneno cai em conta-gotas, para amadurecer tudo igual. Quando se vai comer um abacaxi, já vem a dose de veneno, que vai para o suco, e assim por diante. Além do que a maioria desses sucos de caixinha, para ele sobreviver dentro da caixinha, vai conservante. Conservante também é um veneno, porque é para matar os fungos e as bactérias. O que nós, como movimento da agricultura familiar e da agroecologia, dizemos: tem de se abandonar as embalagens de plástico e voltar para o vidro. E cadê as fábricas de vidro? Não tem, porque só duas fábricas multinacionais, no Brasil, fazem vidro, e a produção prioriza o automóvel e a construção civil. Quando a nossa cooperativinha tenta encomendar mil frascos para geleia natural, não tem.
As cooperativas todas não têm condições de criar demanda para essa indústria?
Claro que tem. Lá no Uruguai, na época do neoliberalismo, houve uma greve da única fábrica de vidro do país, uma multinacional espanhola. Na fábrica, para transformar areia em vidro, precisa de mais de mil graus de temperatura. O forno não pode desligar. E os operários fizeram a greve e desligaram o forno. O capitalista ficou puto, pegou o seu capital, voltou para a Espanha e fechou a fábrica. Os operários, que só sabiam fazer vidro, o que fizeram? Fizeram uma assembleia e religaram o forno, transformaram numa cooperativa e está lá, funcionando. Quando começamos a ter problemas, fomos comprar vidro do Uruguai. E nos perguntaram por que não montávamos uma fábrica. Então, ajudaram com um projeto e vão nos dar assessoria, tomara que o BNDES financie, para montarmos uma fábrica e começarmos a fazer vidro destinado às cooperativas que produzem alimentos. O negócio é demorado, mas esse é o caminho em todo o mundo.
A reforma agrária parou no Brasil? Continua? Está aquém do que precisa? Em termos práticos e teóricos, em que pé que está?
No senso comum das pessoas, se perguntar o que é a reforma agrária, todo mundo tem na cabeça que é repartir o latifúndio e entregar para os sem-terra. E é isso mesmo, na essência, romper com a grande propriedade, sinônimo de latifúndio. Só a (ministra da Agricultura) Kátia Abreu não sabe, porque ela estudou psicologia. Se tivesse estudado português, saberia que latifúndio é sinônimo de grande propriedade. Ela diz que não tem mais latifúndio, no Brasil, embora ela mesma tenha 3 mil hectares. É latifundiária sem saber. Porém, os projetos de reforma agrária, feitos pelo governo com os instrumentos do estado, só se viabilizaram, no passado, porque eram política combinada com um projeto de desenvolvimento nacional que objetivava desenvolver a indústria para o mercado interno.
Aquele país "comunista", os Estados Unidos, começou assim.
Só viraram ricos por causa disso, com a lei de reforma agrária que fizeram em 1872, quando o norte, industrial, fez guerra contra o sul, latifundiário e escravista, e ganhou. Distribuíram terra para todo mundo, 64 hectares, nem mais, nem menos. Essa foi a sabedoria do presidente Abraham Lincoln, que escreveu a lei de reforma agrária. Toda família americana, tinha, por lei, direito a 64 hectares. E mais: era autoaplicável. Não precisava o "Incra" ir lá. Depois de comprovar que morava há cinco anos em cima daquela terra, para o trabalho, ia ao cartório com dois vizinhos de testemunha e o governo concedia o título. Isso foi a base para os Estados Unidos virarem a maior potência industrial do mundo. Coincidência ou não, 64 hectares é mais ou menos a escala ideal para um trator médio trabalhar. Em poucas décadas de reforma agrária, em 1920, os agricultores americanos tinham 900 mil tratores. Sabe quantos temos na agricultura brasileira? Cem anos de industrialização, no Brasil, produziram apenas 880 mil tratores. Aquela reforma agrária só se viabilizou porque foi casada com um projeto de desenvolvimento da indústria, porque transformava o camponês pobre e sem-terra em um produtor de mercadorias e consumidor da indústria.
E nunca chegamos perto disso aqui?
Aqui no Brasil, o projeto que chegou mais próximo dessa reforma agrária foi com o Celso Furtado, em 1964. Ele foi sábio. Disse "vamos desapropriar todas as propriedades acima de 500 hectares". Com isso, estabelecia um limite. Pra que se quer 100 mil hectares, ou 300 mil, como tem o (senador) Blairo Maggi? É absurdo. Porém, não em qualquer lugar. O projeto do Celso Furtado era desapropriar essas áreas, acima de 500 hectares, ao longo das rodovias federais, 10 quilômetros de cada lado, para o camponês ficar perto do asfalto e perto das cidades. Assim, ele ia ter luz elétrica rápido e, atrás da luz elétrica, viria a geladeira, o fogão, a televisão, o ferro elétrico. Ou seja, a indústria chegaria lá. Qual foi o resultado dessa proposta do Celso Furtado? O golpe militar. Depois, na redemocratização, o José Gomes da Silva, nosso amigo, que era da equipe do Lula e pai do José Graziano, hoje presidente da FAO, tentou recuperar essa ideia e fez um projeto que previa o assentamento de 1 milhão e 400 mil famílias. Ele entregou o projeto em 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis, e o Sarney o demitiu no dia 13. Durou nove dias esse projeto de reforma agrária. A pergunta subsequente é...
Por que o Lula não fez a reforma agrária?
Na generosidade dele, acredito que ele até queria. Por que a reforma agrária está bloqueada até agora? Porque falta ao Brasil um projeto de desenvolvimento nacional e industrial. Ao contrário, a indústria vem diminuindo. Na década de 80, a indústria pesava 50% do PIB, hoje é 16%. Não se pode fazer uma reforma agrária em que é só dividir a terra, sem estar casada com um projeto de desenvolvimento nacional. Como nos falta um projeto, falta também uma burguesia industrial disposta a bancar esse projeto. Os camponeses, sozinhos, 10% ou 15% da população, não têm forças políticas para impor. Não há condições políticas, atualmente, no Brasil, para fazermos aquela reforma agrária clássica. Eu fui dar palestra na Fiesp e disse: "Vocês são burros! Estamos querendo fazer parcerias com vocês para desenvolver a indústria, a agroindústria, mas vocês não querem. Querem ganhar dinheiro com juros." Era na época em que eles faziam a campanha para acabar com a CPMF. Por que queriam acabar com a CPMF? Porque o dinheiro deles estava no banco, e não nas fábricas.
Não vale mais a pena lutar pela reforma agrária?
O que nós dissemos, depois de muitas reflexões, nos últimos anos é que agora a reforma agrária mudou de tipo. Que tipo de reforma nós temos de fazer? Um outro tipo, que nós chamamos de popular. Centrada na produção de alimentos saudáveis. A outra reforma agrária estava baseada na palavra de ordem que os camponeses gritavam, na América Latina inteira: "Terra para quem nela trabalha", que o (Emiliano) Zapata inventou. Hoje não tem sentido fazer uma reforma agrária só porque o camponês precisa trabalhar, até porque ele te diz que pode trabalhar de pedreiro e ganhar mais. A reforma agrária não é apenas para resolver um problema de trabalho. Tem de ser para resolver o problema do veneno, da alimentação sadia. De garantir um futuro, de fazer uma agricultura que respeite o meio ambiente, que respeite a biodiversidade. Por que está faltando água em São Paulo? É por que o (governador Geraldo) Alckmin não fez investimentos e privatizou a Sabesp? É, mas não é só por isso. É porque os mananciais que abasteciam o Cantareira, lá em cima do morro, secaram. E o que faz encher um açude, em qualquer parte do Brasil, são as fontes, córregos e nascentes.
Por que secaram?
Por causa de uma agricultura predadora, baseada no monocultivo e no veneno. Olhem ao redor da Cantareira. Ou tem eucalipto, que suga 60 litros de água por dia, ou não tem nada. Ou, virou monocultivo de cana. Essa prática do agronegócio está afetando a vida das pessoas, inclusive nas cidades, seja pelo alimento contaminado, seja pelo desequilíbrio climático, por conta das práticas agrícolas. Então, temos de repartir melhor a terra para aplicar um outro modelo de agricultura, que seja em equilíbrio com a natureza, que não altere as chuvas, que não altere o clima. Que plante árvores. As árvores caem em São Paulo por causa do vento, não porque estão velhas. Uma árvore dura a vida inteira. E por que o vento, aqui, é mais forte? Porque já não encontra mais resistência nas imediações de São Paulo, então vem com um velocidade enorme e derruba. Nós temos de fazer uma reforma agrária que refloreste o país, porque a árvore é uma fonte de vida perene. Depois que se planta uma árvore, ela fica uma vida inteira. Se for uma árvore frutífera, em todo ano ela te dará alimento. O agronegócio vai reflorestar o país? Imagina...
Ninguém mais quer viver no interior, igual ao Jeca Tatu. Como se leva comodidades para o interior?
Leva com a agroecologia, que são técnicas que fazem com que se aumente a produção, com menos esforço físico. Leva com a agroindústria. Ou seja, em vez de o agricultor vender o leite in natura para a Nestlé e receber R$ 0,55, para depois ver, no supermercado, o mesmo leite, agora com água e mais conservante, a R$ 2, como se leva esse lucro para o agricultor? Isso é possível? É. Nós temos uma cooperativa, em Paranacity, no norte do Paraná, em que 36 famílias produzem tudo coletivamente. Produzem o leite orgânico. Cuidam das vacas, com pasto sem veneno, plantam cana para as vacas comerem. Produzem todo o leite necessário para o município, e todo dia de manhã pasteurizam o leite e levam aos mercados, padarias e escolas. 36 famílias alimentam 10 mil pessoas com leite, e vendem a R$ 1. Ganham o dobro, o consumidor paga a metade e percebe a diferença. Esse é o nosso novo modelo. Uma reforma agrária popular que não interessa só aos camponeses. Interessa a toda população, através dos alimentos, da pureza e da disseminação da agroindústria, pequenas agroindústrias por todo o país.
Tem espaço para isso na política? Vontade política basta para isso? Ou a mentalidade do poder econômico, no Brasil, ainda está muito atrasada? Congresso, Judiciário...
Na política atual, nós estamos ferrados. Na política atual, quem tem a hegemonia é o agronegócio, com a bancada ruralista no Congresso, com seus juízes, a maioria casados com filhas dos latifundiários, e com um governo dividido. Temos o Patrus Ananias, que é de esquerda, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, e a Katia Abreu, da direita, na Agricultura. Como é que o governo chega a uma conclusão, se tem no ministério uma composição de classes? Qual é a nossa esperança? É que os problemas vão se acumulando, na sociedade brasileira. As contradições estão aí para buscarmos as verdadeiras soluções. Por mais que a mídia falsifique a realidade, a médio prazo, temos de apostar na inteligência humana e que as pessoas vão se dar conta de onde está a verdade. Nós apostamos que, a médio prazo também, haverá uma reascensão dos movimentos de massa, no Brasil, como foi de 1976 a 1989.
É comum os líderes do agronegócio alegarem que se não fosse por eles, inclusive com a produção de "defensivos agrícolas", não seria possível alimentar a grande massa de gente que se tem hoje, não só no Brasil como no Mundo.
No Brasil, apesar de nós termos 360 milhões de hectares de propriedade privada que são agricultáveis, e já têm dono, só se cultivam 64 milhões de hectares. O absurdo começa aí. Por que se cultiva tão pouco? Porque está monopolizado. Nesses 64 milhões de hectares que se cultiva, 15 milhões são agricultura familiar, o restante é agronegócio. O que se planta nesses 50 milhões de hectares e, portanto, que dizem salvar o Brasil? Plantam soja e milho, combinados, plantam algodão, eucalipto e cana-de-açúcar. Note se na sua mesa você vai encontrar esses produtos. Vai ter óleo de soja, uma fritura. O que mais? Ou seja, a maior parte da produção não tem nada a ver com a cesta alimentar. Vai lá na Conab (Companhia Nacional do Abastecimento). Nosso sonho é transformar a Conab em uma grande empresa estatal. A Conab está comprando hoje, produzidos nesses 15 milhões de hectares da agricultura familiar, 297 tipos diferentes de alimentos. Esses são os que alimentam o povo. Aí você encontra o arroz, o feijão, as frutas, o leite, a carne. A carne de frango é fornecida pelo frigorífico, mas quem cuida do frango? É o pequeno agricultor. A carne de porco, a mesma coisa. A agricultura familiar produz 297 alimentos. O agronegócio produz isso aí: soja, milho, algodão, eucalipto e cana, e se diz salvador da pátria. Agricultura pesa 11% no PIB, mas dizem que "carregam" a economia. É para isso que existe a Globo.
Mas eles reclamam que o governo dá as costas para eles.
Esses 50 milhões de hectares, que geran os 11% do PIB, são financiados, todos os anos, com algo em torno de R$ 160 bilhões. De onde vêm esses R$ 160 bilhões, já que dizem que carregam o Brasil nas costas? Sabe de onde vem? O governo obriga que 40% dos depósitos à vista sejam destinados ao agronegócio, ao financiamento da agricultura. Portanto, quem está financiando a agricultura são os correntistas de depósitos à vista, que não recebem nada. Aí o fazendeiro pega R$ 1 milhão para plantar soja. O governo ainda combina com ele. O banco diz: "Não vou emprestar para esse cara. No comércio, recebo 48% de juros. Por que vou emprestar a 12%?". Então, o governo faz mais um acerto: pega do Tesouro e paga para o banco mais 12%. O Tesouro nacional - ou seja, todos nós - gasta todos os anos 12% sobre esses R$ 160 bilhões. Então, quem é que está carregando o Brasil?